Prof. Anísio Renato de Andrade
O capítulo 17 de Juízes nos apresenta o relato a respeito de um levita
que estava em busca de comodidade. Por isso, saiu do lugar escolhido por Deus
para o exercício do seu ministério. Saiu de Judá e foi perambular em Efraim. A
prioridade daquele homem era apenas o seu próprio interesse. Por esse motivo,
caiu em um laço maligno e passou a ser sacerdote de falsos deuses. Deixou o
santuário de Deus e passou a servir no santuário de Mica, um herege.
Dessa passagem extraímos algumas advertências:
- Prioridades erradas podem nos conduzir à perdição.
- A busca do comodismo nos livra do esforço e do sofrimento, mas nos
afasta do propósito de Deus.
- A busca da vantagem pessoal pode conduzir um ministro de Deus a uma
falsa religião.
Nesse tempo não havia rei em Israel. Faltava liderança para a nação e
cada um fazia o que bem lhe parecia (Jz.17.6; 21.25). A lei de Moisés estava em
vigor, mas isso não bastava. Faltava uma autoridade para estabelecer e cobrar a
observância da lei. A lei determinava as funções levíticas, como se pode ver em
Números, capítulos 3, 4 e 8. Os levitas eram auxiliares dos sacerdotes. Eram
responsáveis, principalmente, pelo cuidado e transporte dos utensílios
sagrados.
Aquele levita não queria carregar peso. O serviço sagrado não se resume
às tarefas prazerosas e fáceis. Existe a parte da oração persistente, do jejum,
da renúncia, do esforço a favor do próximo. Isso pode ser pesado para quem não
está pronto para o serviço.
Às vezes Deus nos coloca em lugares ou situações desagradáveis. Podemos
citar os exemplos de Daniel no exílio ou da serva israelita de Naamã (II Rs.5).
É nesses lugares que Deus nos usa ou nos fala. Quando Jacó teve uma pedra por
travesseiro, teve também uma visão de anjos. Foi dentro da fornalha que
Sadraque, Mesaque e Abdenego viram o Filho de Deus.
Quando sentimos o peso da obra ou o calor do fogo, somos tentados a
buscar um lugar mais tranqüilo e confortável. É nessa hora que corremos o risco
de sair da posição onde Deus nos colocou. O servo de Deus não deve ter como
objetivo um salário melhor na casa de Deus, ou uma posição de honra ou o
respeito e reconhecimento humano. Podemos até ter tudo isso, mas este não deve
ser o nosso alvo. Nossa missão é promover o Reino de Deus e não o nosso próprio
reino. Nosso dever é levar a palavra e o poder de Deus, mesmo que isso nos
custe muito caro e não nos traga benefícios pessoais.
A busca do conforto é uma prioridade do homem moderno. Para isso
contribuem a tecnologia, a engenharia, a mecânica, a indústria em geral, etc.
Das cavernas até a casa atual, o ser humano caminhou em busca da comodidade.
Trabalhamos pela sobrevivência, pela segurança e... pelo conforto. Precisamos,
porém, lembrar que conforto não é sinônimo de felicidade. Não pretendo definir
felicidade, mas creio que ela está mais relacionada à satisfação depois do
esforço, depois do trabalho.
Estamos, todos os dias, sendo alvo de milhares de anúncios comerciais
que pretendem identificar em nossas vidas algum incômodo que poderá ser
eliminado através da aquisição deste ou daquele produto. Desenvolve-se assim a
idéia de que não podemos conviver com nada que nos desagrade ou diminua nosso
bem-estar. Essa mentalidade pode ser nociva quando levada para dentro da igreja
ou do relacionamento familiar, criando uma expectativa hedonista, egocêntrica e
imediatista.
Em princípio, a busca do conforto não é errada. Mas precisamos ver se,
em função disso, não estamos pisando em valores fundamentais. Existe até mesmo
a busca da comodidade doutrinária (II Tm.4.3). Por exemplo, se o líder é muito
enfático sobre o tema da santidade, alguns podem querer outro lugar, onde não
sejam incomodados pela verdade.
Quando surge o desconforto podemos tomar diversas atitudes legítimas
para melhorar a situação. Porém, muitas vezes preferimos fugir. Foi o que fez
aquele levita. Partiu em busca da comodidade. Hoje em dia é muito comum mudar
de partido político, de igreja, de marido, de esposa, etc. Tudo está se
tornando descartável. É uma terrível constatação. As pessoas são usadas e
trocadas, como se fossem produtos comerciais. Não temos condição de julgar o
motivo de ninguém, mas cada um deve julgar seus próprios motivos. Será que, em
muitos casos, as pessoas não estão buscando a comodidade a qualquer custo?
Jesus não vivia muito confortavelmente. Ele disse: "As aves do céu
têm ninhos e as raposas têm os seus covis, mas o Filho do Homem não tem onde
reclinar a cabeça." Preferimos ser uma ave no ninho, uma raposa no covil,
ou um servo de Deus no lugar onde ele nos colocou? O lugar mais desconfortável
que poderia haver foi a CRUZ, mas Jesus não fugiu. Ele não viveu em busca da
comodidade, mas buscou fazer a vontade do Pai, sendo obediente até a morte. Se
queremos reinar com Cristo, precisamos sofrer com ele. Mesmo sabendo que os
discípulos teriam aflições, Jesus não rogou ao Pai que os tirasse do mundo, mas
que os livrasse do maligno (João 17).
Quando fugimos do desconforto deixamos de desenvolver resistência. Quem
não carrega peso não desenvolve seus músculos. Precisamos aprender a suportar
alguns pesos (Lm.3.27-28), não o peso do pecado, mas dos desafios da vida, do
trabalho e da renúncia aos prazeres ilícitos. O comodismo é irmão da preguiça e
parente próximo da desonestidade. Quem não aprende a se esforçar pode acabar
roubando.
A infância é o período mais adequado para se aprender o valor da
conquista através do esforço. Excesso de comodismo para as crianças pode
deixá-las mal acostumadas. É evidente que não estamos fomentando o trabalho ou
a exploração infantil. Contudo, os filhos podem fazer algumas tarefas e aplicar
algum esforço, evitando assim, o caráter comodista de quem espera tudo pronto e
rápido.
A cruz é o primeiro presente que o cristão ganha quando começa a seguir
o Senhor Jesus. Em nosso caminho existem muitas bênçãos, mas há também
sofrimento, disciplina, esforço e provação. Paulo comparou a vida cristã a uma
corrida olímpica. Como queremos vencer sem lutar? Aquele que está assistindo de
camarote não ganhará nenhum troféu.
Jesus suportou a afronta e recebeu a recompensa do Pai. Assim será
conosco. Não vamos abandonar nosso posto. Não vamos procurar o comodismo
oferecido pelos ídolos. Vamos permanecer onde Deus nos colocou, ainda que
estejamos entre espinhos e escorpiões (Ez.2.6). O dia chegará quando seremos
resgatados deste mundo para um lar eterno. Tendo combatido o bom combate e
guardado a fé, receberemos o galardão e a coroa da vida.